É uma das coisas que mais lamento na vida, mas não há nada que eu possa fazer. Até aos quatro, cinco anos de idade quase não guardo memórias. Ou seja, a minha vida é, até essa fase, uma mancha em branco. A minha recordação mais remota é, no entanto, bastante sensorial. Se fechar os olhos, ainda sinto a brisa quente do Alentejo no rosto, enquanto o meu pai me empurra num baloiço domingueiro. Estava de vestido de cambraia, só podia, e usava o cabelo curto e espigado à rapazinho.
Dessa época também me lembro de aprender a nadar e de ter medo de andar de bicicleta, com o meu pai a fazer de mister. Lembro-me dos lanches em casa das minhas primas, pão com manteiga e açucar escuro (ainda hoje o que uso em casa), uma guloseima da minha avó, perita no arroz doce e no esparragado. De sermos inocentes ao ponto de escondermos as taças partidas nas festas de aniversário, às vezes com pudim ainda agarrado, debaixo do sofá (como se a minha mãe não fosse varrer a seguir5). Lembro-me do meu ar melancólico, sério, desconfiado, adulto. Há fotos que o provam. Não era nada indiscreta, conseguia guardar segredos gigantes para a minha idade. Lembro-me de fazer os deveres enquanto brincava com as figuras miniatura que vinham com a farinha Amparo. E de quando dois coleguinhas fizeram uma corrida à volta da escola para se decidir qual se sentava ao meu lado na aula. Lembro-me que era pro no elástico e tinha pavor de saltar à corda. Era muito vaidosa no meu dia de aniversário (ainda hoje sou) e tinha porque tinha de estrear um vestido novo. Não era nada egoísta com os brinquedos. Tive uma espécie de avós das barbies. Lembro-me de jogar ao macaquinho do chinês na rua e de não saber o que era o mar que só vi muito mais tarde. Lembro-me de perguntar aos meus pais "gota mim?" e de eles dizerem que não, que me adoravam...
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10 comentários:
Muito bonito, mas lamento informar que é natural nao teres memorias até aos 5 anos a isso chama-se amnesia infantil...todos nós temos.
Essa das taças (que eu já conhecia) é um must!! lolol
De pequena, lembro-me dos dias passados em casa dos meus avós maternos, com a minha prima. Um tapete no chão da varanda e as duas rodeadas de brinquedos (há rumores de que eu lhe batia, de vez em quando, mas não subsistem quaisquer provas). Recordo-me da música do amolador, dos cheiros da comida da minha avó, dos cheiro dos meus avós. Dos gelados de água com sabor a laranja e a limão, do miolo das carcaças do Pão de Açúcar, dos passeios no Vale do Silêncio com o meu avô.
No infantário, lembro-me dos babetes, dos bibes, das pernas mal depiladas de uma das educadoras quando passava no meio dos colchões durante as sestas, de ter que emprestar um lenço a um menino que começou a sangrar do nariz, e de ter ficado muito triste com o facto (até registei que foi numa sexta-feira).
Já na primária, lembro-me do Vasco Granja e dos desenhos jugoslavos que eu tinha de aguentar até alguém chegar a casa, porque eu era a primeira. Lembro-me de ser sempre a última a acabar de comer. Lembro-me de brincar aos exploradores com o meu mano debaixo das cadeiras e da mesa da sala. Dos berlindes e dos carrinhos, das barriguitas e das colecções (de folhas coloridas, de pacotes de açúcar, de cromos, de borrachas cheirosas, dos papéis que vinham dentro das pastilhas gorila). Lembro do arco e da barra do lenço, dos quatro-cantinhos e do despe. Lembro-me das bulhas no recreio. Do fantasma de olhos cor-de-laranja que habitava o sótão da escola. Da directora que arrancava os dentes dos meninos com um cordel atado a uma porta. Lembro-me do cesto de vime com o almoço, do termos azul e amarelo, das peças de teatro que fazíamos todas as sextas-feiras na escola. De querer ser como a minha mãe, e ajudá-la (?) na cozinha, e querer ir com o meu mano para todo o lado. Lembro-me do que me custou quando meu pai esteve vários meses no estrangeiro, das saudades que eu vivia agarrada a uma fotografia dele. Lembro-me de brincar sozinha com os legos e inventar cidades. Dos bichos-de-conta que eu oferecia à minha mãe para ela comer. Dos passeios na praia todos os 1º de Janeiro.
A partir dos 10 anos é mais fácil, porque há um grupo de amigos que ajuda a reavivar tudo o que passámos juntos desde essa altura: desde jogar ao Miami Vice, à macaca e à sirumba, até às partidas pregadas aos professores. De quando as meninas gostavam do Lloyd Cole e os meninos eram todos uns “infantis” que só queriam jogar à bola.
Neste breve passeio pelo tempo, lembro-me, sobretudo, de muito carinho, de um crescimento suave e de muita curiosidade.
Rita:"Da directora que arrancava os dentes dos meninos com um cordel atado a uma porta"?!?!?!!? Que violência!!!
Por isso é que nunca dizíamos que tínhamos dentes a abanar.
Lembro-me também de fazer pasta de papel na creche (ainda sei a receita!!!) e de manchar telas com as mãos minorcas. Aliás, em pequena queria ser pintora de paredes, pois por toda a cidade via aqueles painéis coloridos do 25 de Abril.
Lembro-me de ouvir Pink Floyd no escuro e de ter verdadeiro pânico que essa fosse a banda sonora da chegada de um ET que me vinha raptar. Lembro-me de ter pavor das trovoadas e de jogar ao quarto escuro nos aniversários das minhas primas. Lembro-me de brincar às professoras com a minha amiga Fatinha (que hoje é professora!!) e de tomar "comprimidos" para a dor de cabeça (os alunos, os testes, que pressão) que eram apenas smarties. Lembro-me do chocolate Coma com Pão.
Tenho tantas e gratas memórias dos tempos de puto que dava para estar dias seguidos a escrever.
Aqui vai uma pequena amostra.
Lembro-me das corridas de carrinhos no corredor da casa dos meus pais e das jogatanas com raquetes nas escadas do meu prédio.
Lembro-me das tardes inteiras a jogar no zx spectrum e as longas esperas enquanto os jogavam “entravam”.
Lembro-me do pudim mandarim que a minha avó fazia e o leite com Tody.
Lembro-me de ser enrolado pelas ondas na praia da rocha e de fugir das alforrecas.
Lembro-me de ficar a ver os aviões a passar à noite e ficar fascinado com as luzinhas a acender e a apagar.
Lembro-me de ir a correr comprar carteirinhas de cromos à papelaria do Sr. Artur, ao fundo da rua.
Lembro-me de ficar sozinho na cantina da escola para acabar de comer o peixe cozido do almoço.
Lembro-me dos meus pais me terem obrigado a comer mioleira de carneiro cozida.
Desde então nunca mais pude ver aquilo à frente!
Esparragado é do melhor que há, divinal mesmo.
Espero que isto não seja 'girls only'!
claro que não!!! os gajos sensíveis também podem participar... isto aqui é um blog unisexo ;)
Rachar a cabeça e não chorar, de chinelos vermelhos com pelinho. Lanches dos trolhas em casa da minha avó, que invejava. Vizinha que dizia palavrões e eu muito envergonhada a dizer que 'isso não se diz'. Sestas no chão, na alcatifa azul da minha avó. Cão que era cavalo. Cozinhar com hidranjas. Triciclo, triciclo! Chorar muito para ir andar de baloiço ao parque, nem que chovesse muito - e ia mesmo. Acho que são estas as minhas memórias mais remotas... :)
As torradinhas da minha avó que eram transportadas até ao local das brincadeiras; as cabanas q fazia no verão com o meu irmão e os primos; as brincadeiras com o meu irmão que acabavam (quase) sempre em discussão e lutas lolol; os teatrinhos q faziamos todos os natais para a familia; as idas ao teatro e ao cinema com a minha avó; o cheiro a lareira dos Natais na Beira Alta; o nunca ter gostado de mousse de chocolate (devia ter continuado com este belo hábito); a minha prof primária que eu achava a pessoa mais sábia do mundo; os passeios de fim de semana com os meus pais; as férias em sesimbra (onde o meu avô xico me ensinou a boiar); os livros da anita (que ainda guardo religiosamente); andar de patins...tanta coisa!! A minha infância foi muito feliz.
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