Adeus - Eugénio de Andrade
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos,gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;era como se todas as coisas fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,era no tempo em que o teu corpo era um aquário,era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certezade que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
6 comentários:
Pois é! Ouvi esse poema ainda hoje manhã e agora leio-o. Não me farto.
puff...
exercício vão, isto de comentar a perfeição!!!
A coisa engracada destes blogs e que acabo sempre por ler poesia mesmo sem pedir nada a ninguem. Eu que nunca gostei muito de poesia em geral as vezes apanho-me a gostar imenso disto. Este entao e LINDO! De onde e que isto saiu?
Sugiro o livro de poesia
As Palavras Interditas
lindo, lindo, lindo
Madrigal
Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.
II
Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.
Um dos meus poemas preferidos de um dos meus poetas preferidos. Obrigado, Eugénio de Andrade! Até sempre.
Carrie,
A coisa engraçada destes blogs é que acabo por escolher poesia mesmo igual à de alguém.
Adoro este "Adeus" e também o coloquei no marco do blogcorreio.
E tenho muita pena de não saber cantar pois estas palavras têm som.
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