terça-feira, junho 14, 2005

O Adeus

Adeus - Eugénio de Andrade


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos,gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;era como se todas as coisas fossem minhas:quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.

E eu acreditava.

Acreditava,porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,era no tempo em que o teu corpo era um aquário,era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco mas é verdade,uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor,já não se passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,tenho a certezade que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.

Dentro de ti não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

6 comentários:

Inês L. disse...

Pois é! Ouvi esse poema ainda hoje manhã e agora leio-o. Não me farto.

Samantha disse...

puff...
exercício vão, isto de comentar a perfeição!!!

Anónimo disse...

A coisa engracada destes blogs e que acabo sempre por ler poesia mesmo sem pedir nada a ninguem. Eu que nunca gostei muito de poesia em geral as vezes apanho-me a gostar imenso disto. Este entao e LINDO! De onde e que isto saiu?

Samantha disse...

Sugiro o livro de poesia
As Palavras Interditas
lindo, lindo, lindo

Anónimo disse...

Madrigal

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.

II

Cantas. E fica a vida suspensa.
É como se um rio cantasse:
em redor é tudo teu;
mas quando cessa o teu canto
o silêncio é todo meu.





Um dos meus poemas preferidos de um dos meus poetas preferidos. Obrigado, Eugénio de Andrade! Até sempre.

Margarida Batista disse...

Carrie,
A coisa engraçada destes blogs é que acabo por escolher poesia mesmo igual à de alguém.
Adoro este "Adeus" e também o coloquei no marco do blogcorreio.
E tenho muita pena de não saber cantar pois estas palavras têm som.